A PRIMEIRA TREPADA DO FLAUDINHO

TERCEIRO CAPÍTULO DE  FLAUDILÂNDIA – UMA  CIDADE SERIAMENTE GOZADA

_ Bom, já que eu enchi a agenda de todos os meus irmãos e a do papai também. Telefone que não para de tocar! É gente de todos os lados elegendo  com urgência os meus familiares, os Fudêncios,  para aplicarem  as especialidades deles por ai.   Vou lá na árvore vê se eu arranco um pedaço daquela maçã. Jeito estranho esse de matar a primeira fome da vida. Nasci e não me deram o peito, nem uma ama seca para me acalentar. Acho que  isso já caiu de moda. Enfim... vou folhear o livro da árvore genealógica na primeira página. Lembrando sempre; “faça cara de mau, grite para pôr medo!”

_ Vou chegar de mansinho para não assustá-los, parecem tão calminhos... _Olá, companheiros! Tudo bem por aqui? Lugar bonito, heim? É propriedade privada para nudismo? Bonita essa cobrinha. Grandona, né!? E aí, cobrinha! A maçã tá boa?

_ Quem é você, criatura estranha? Quem autorizou você a trepar na nossa árvore? Nunca antes  na história da humanidade isso foi possível.

_ Uai, cumpadi! Regras existem pra isso: para serem quebradas. Se eu subi até o seu cacho é porque eu também sei trepar em árvore. O meu nome é Flaudinho, muito prazer.

_ Prazer? O que que é isso?

_ Prazer!? Bem... prazer é... Vejamos... Essa mulher é quem exatamente?

_ Exatamente! Eu sou a que vive com ele aqui! Vai saindo do nosso território! Faça o que eu estou mandando, agora! Exijo que seja agora! Você me pegou naqueles dias que acontecem todos os dias de todas as horas!

_ Pois então tá! A dona coisinha  pode abaixar as garras. Bonita as unhas. Cruzes, já ouviu falar em esmalte? Pode parar de gritar também, senão vai desenvolver uma danada de  uma dor de cabeça em você que vai atingir todas as gerações femininas do Universo.  Só estou alertando para que evitem complicações futuras. Mulher com dor de cabeça é pra acabar com qualquer espécie masculina. E olhe, se esse seu companheiro perder a paciência, pode pegar essa cobrinha aí e lascar nos cocurutos da senhora.  E você tome tento, seu coisinho!  Se você sair do prumo por causa da dor de cabeça dela,  vai ser enjaulado.

_ Você fala demais, criatura estranha!   O que é isso que te tampa as coisas?

_ Isso é uma fralda, coisinho. Sou um recém nascido. Fiz com folhas de  livros. Descartável, para quando eu sujar poder jogar fora sem precisar lavar.

_ O que é isso pendurado na sua barriga, criatura estranha?

_ Isso, coisinha? Isso é o meu cordão umbilical que eu ainda não arrumei um jeito de cortar. Como que vocês cortaram o de vocês?

_ Cordão umbilical? Nós nunca vimos isso ai, não!? Você teve isso, coisinha?

_ Não! Só se ele ficou aí  na sua costela. E por que está me chamando de coisinha?

_ Alguma vez eu te chamei de outra coisa?

_ Não! Nunca nos chamamos de nada.

_ Voti! Vocês não sabem o que é um cordão umbilical? Voti cobra!  Ele sai de um orifício chamado umbigo. É o que me ligava à placenta e o que me nutria enquanto  estava sendo gerado no ventre da minha mãe. Não sabiam disso?

_ Não! O que significa mãe? E nós não temos isso na nossa barriga. A nossa barriga é lisinha, veja! Não tem nenhum orifício chamado umbigo.

_ Voti cobra, de novo! Não é que é verdade! E eu que sou a criatura estranha por aqui?  Vocês não sabem o que significa mãe? Mãe é... é... É uma mulher que enche a gente de sentimentos. E a cobra, de quem é? Por que ela traz essa maça entalada na boca? Não tem um pé dessa fruta escondido nestes galhos, estou louco de fome, desde que eu nasci não comi nadica. Não sei se eu vou durar muito com essa primeira fome da sobrevivência me matando. Posso pegar aquela maçã da cobrita?

_ Não! Não!

_ Nossa! Não precisavam gritar. Assustaram a bichinha. Olhem lá, ela está se contorcendo toda.

_ Não pode comer esta fruta.  Ela mantém a boca da cobra tampada. Ninguém aqui come essa fruta!

_ Eu heim! Ninguém significa quem, exatamente, se só tem vocês dois aqui e essa cobra que já deve ter sérios problemas na ATM de tanto ficar com a mandíbula aberta. Olha, vocês tomem cuidado. Aqui em Flaudilândia as leis de Proteção aos Animais são severas.  Se virem vocês dois maltratando essa bichinha vão aplicar um castigo severo nos dois. Querem apostar?

_ Não! Se você, criatura estranha,  souber controlar a sua fome será resistente, forte. Um verdadeiro guerreiro!

_ Hum... Estou me lembrando disso! Mas a minha fome é muito grande, posso comer a fruta? É o primeiro alimento que eu vejo na vida! Deixem, por favor, eu lhes imploro. Me dêem essa maçã, eu preciso comer alguma coisa. Buá! Buá! Buá! Buá!

_ Feche essa boca, criatura estranha! Os seus ruídos podem desalinhar os planetas!

_ Mais essa! Escuta aqui, dona coisinha ridica. A senhora tem muita sorte de eu ter um irmão que está com a agenda lotadíssima hoje. Senão,  eu ia contar tudo pra ele o que a senhora está me ridicando e ele ia fazer toda a sua nudez ser castigada. Você também, marmanjo sem pelos. Ah, e tem mais! Eu tenho um outro irmão que vai adorar fazer a senhora virar personagem de historinha infantil. Você, ou senhora, sei lá,  vai ver quantas interpretações  vai ter, sua deficiente física sem umbigo. Quer mais? Essa cobrona aí vai ser uma linda mulher, mas depois ela vai virar bruxa e dar essa maçã envenenada pra você comer por causa do amor desse ... desse aí! E pra piorar a sua história, você vai ter sete filhos anõezinhos, mas dois deles vão querer excluir os outros cinco da história: o Dunga e o Zangado! Você será mãe, sofrerá a dor de ver cinco dos seus filhos excluídos.  Para piorar mais ainda o Dunga vai acabar técnico da seleção de futebol de Flaudilândia e o Zangado, só de inveja, vai matá-lo na imprensa local. Logo em Flaudilândia, a capital do futebol entre outras coisas mais.  Em Flaudilândia, o Dunga também vai ser vereador, candidato a prefeito, vai comandar o time da AEA, o Zangado vai  pôr fogo no carro dele e  fazer o dinheiro do time virar carvão, até o time virar cinzas. O Dunga vai sair de cena e o Zangado se arrependerá do que ele fez. De repente, podem até ser  tios meus.

O Dunga, para sobreviver, vai pegar um montão de cobrinhas, todas elas terão o nome de salsicha,  e pôr no meio de pães e vender com o nome de Dunga-Dog-Quente. Você, dona coisinha,  vai se empanturrar de pão com condimentos e batata frita. Vai virar uma mocreia, vai enfiar o dedo na garganta para ter que vomitar o que comeu. Vai se internar numa academia e ter que malhar  se quiser pôr as suas pelancas no lugar. Está pensando que essa barriguinha tanquinho e sem umbigo vai durar pra sempre?  Ah, e tem mais, eu não acabei, você está com sorte hoje, porque eu tenho uma irmã que está com a agenda lotadíssima. Foi eleita hoje para fazer o que ela sabe fazer de melhor. Senão, eu ia falar  tudo pra ela, ela ia pegar e interná-la na clínica dela e aplicar a tese do Lavoyerismo nos dois. É que eu sou bonzinho e não vou dedar nenhum de vocês pra ela.  Fiquem aí,  cheirando essa maçã. Também eu não queria mesmo, está verde! Você, mulher, vai acordar sempre no era uma vez e terminar no kkkkk felizes para sempre com esse daí!

_ Sai já daqui, criatura estranha! E pare de gritar!  Vem infernizar o nosso paraíso com essa conversa fiada e ainda quer comer o produto que aromatiza o nosso ser? Quer comida? Vá nessa direção, dê uma de Tarzã, vá se pendurando nos cipós  alinhados nestes galhos, à sua esquerda encontrará comida à vontade! Lá tem cachos e cachos de Chitas. Suma!

_ Eu vou mesmo! Essa previsão que eu contei é só um milésimo da milionésima parte  da equação do pensamento dividida pela raiz quadrada dessa árvore todinha. Se existir  lugar ruim, ele é aqui. Nem uma muriçoca para atormentar a gente?  Como pode, ter fome, olhar a fruta e se alimentar com o cheiro dela. Isso é que é um pecado. Ah, e pensa que eu vou ficar calado? Vou não! Descobri por que você, coisinho,  está no último galho dessa árvore. porque nunca desceu. Se descer não sabe trepar de volta!  Está aqui o princípio da inércia! Santa gravidade!  Para toda ação uma reação. Vocês dois vão ver, só!  Nasci crescido! O meu nome é Flaudinho.  Sou filho do Fudêncio Mor, vulgo Flaudêncio, o fundador da cidade onde esta árvore está plantada. É só eu pedir pra ele que ele sobe aqui, come essa maçã ai com a cobra e tudo mais. Mas eu vou ser bonzinho. Tô indo  para o outro galho. Fui!

_ Coisinha,  nunca antes na história da humanidade havia escutado tudo isso!

_ Nem eu, coisinho, você nunca conversou nada comigo!  Agora... ele nos jogou muitas pragas. Se elas pegarem em nós, o nosso futuro está óóóó´! Você entendeu, né?!

_ Coisinha, pensando bem,  acho que você tem razão. Nós nunca trabalhamos, nem temos ordenado. Se essa tal de lei de proteção aos animais for aplicada por aqui, com que dinheiro nós vamos  pagar esse castigo a que estaremos sujeitos a pagar?

_ Coisinho, para  nos livrarmos desse carma, acho melhor nós comermos essa maçã da boca da cobra!  Além do mais,  gostei da palavra que aquela criatura estranha falou,  prefiro que você me chame de Mulher.

_ Mulher, vamos comer a maçã! Essa criatura estranha tem razão. Vamos proteger a cobra!

_ Com muito prazer, coisinho! Mas... pensando bem. Estou pensando aqui com a minha cabeça. Se para a cobra tem lei que a protege, será que para o dog também tem? Como é que vão comer o cachorro quente, estou pensando: e a lei? O que você acha, coisinho?

_ Acho que você não foi criada para pensar. Agora cala a tua boca e vá pegar algumas folhas da parreira, faça algumas fraldas descartáveis pra mim, igual aquela que a criatura estranha estava usando. Aproveita e faça pra você também. Precisamos tampar essas coisas feias que nós temos. Como é que você não fez isso antes, sua burra!  Vai agora, anda sua lesma, antes que a cobra te coma!

Trimmmmm

_ Quem será agora? Vou ter que fechar o livro. Cadê o manual de instrução?

Trimmmmmmmmmm

_ Caramba! Ai, esse meu pulso que dói sem parar. Vou ter que dar um jeito de consertá-lo para me pendurar lá nos cipós.

Trimmmmmmm

_ Alô!

_ De onde fala, por gentileza?

_ Uai! Ligou pra cá e não sabe de onde fala?

_ Hum... É daquela empresa? Digo... que faz qualquer tipo de serviço?

_ Hãããã.... E daí? Quer o quê?

_ Bem... eu estou com um problema de encanamento, há alguém aí ...

_ Peraí dona, não foi a senhora que já ligou hoje? É burra mesmo, né! Não disse que estão todos ocupados....

Continua...

Rita Lavoyer