CIA DOS BLOGUEIROS


quinta-feira, 22 de março de 2012

PANEFONE

FLAUDILÂNDIA – UMA CIDADE SERIAMENTE GOZADA

A PRIMEIRA NOVELA BLOGAL

PANEFONE 

 SÉTIMO CAPÍTULO DA NOVELA DO ANO.


- Agora que o sol inventou de ir para o outro lado do planeta, vou ver se descanso um pouco desse telefone. Preciso trocar essa fralda. Preciso dar um jeito no meu punho que dói sem parar, preciso cortar o meu cordão umbilical, que pra ser bem sincero estou gostando demais dele, chama a atenção, e eu gosto muito disso.
 Preciso ler esse manual do Flaudinho, que pra ser bem sincero novamente, nem sei pra que tem manual pra gente. Estou me arrumando do jeito que posso, apesar de não ter comido nada desde  cedo, hora em que nasci. Será que aqui em Flaudilândia todos os filhos da minha mãe, a Dasdor, nascem pela manhã, só para passarem o dia inteiro nessa clausura, tendo que sofrer para virar guerreiro de verdade?
Estou  começando a sentir uma coisa muito estranha dentro de mim. Uma vontade de dar um soco no primeiro que aparecer na minha frente. Dor e fome consomem a gente e eu tenho que lutar de alguma forma para  me esquecer disso. Mas tenho que tomar cuidado porque já nasci com um punho quebrado, quebrar outro com um soco mal dado só me trará prejuízo e nem lutador chegarei a ser, quanto mais um guerreiro. 


Trimmmmmmm   

_ Ai, inferno! Quem será uma hora dessas, atormentando a delícia do que está se passando dentro de mim?

Trimmmmmmmmm 

_ Cadê a porcaria do manual que escreveram para me produzirem. Demência do cão, inventarem que os nascidos precisam ler manual. Ai que óóódio!

  Trimmmmmmmm

_ Alô! Aqui é da empresa do Flaudêncio. Quer o quê, criatura sem noção!?

_ Quem fala, por favor? É o Flaudinho?

_ Mas que idiotice é essa? Pergunta e responde ao mesmo tempo pra sacanear quem está do outro lado é? Não estou com paciência para aturar perguntas burras e já vou logo mandando desligar. Suma!

_ Flaudinho, sou eu novamente. Eu liguei tentando encontrar alguém que resolva o problema do meu encanamento. Espero encontrar alguém daí que me ajude!

_ Não vai encontrar ninguém de novo! A senhora sabe que horas são? Olha aí no seu relógio dona. Aqui o pessoal  sai para trabalhar na calada da noite. Não fica esperando chamado de madame que espera o dia amanhecer e anoitecer para eleger o serviço não! Gente que precisa do nosso serviço dorme de olhos abertos, na espreita para catar uma vaguinha, sacô dona? Ou a sua burrice ainda não alcançou o recado que eu estou te dando desde a primeira ligação que a senhora inventou de fazer pra cá?

_ Flaudinho, eu não sabia que tinha que solicitar o serviço de vocês na calada da noite. Então se é assim, eu quero registrar o meu pedido novamente, já é de noite, não é?  E tem outra, eu não sou madame, sou uma pessoa comum, mais uma no meio do povo, que paga impostos regularmente e preciso de alguém que conserte o meu encanamento.

_ Dona, quando eu disse que a senhora é burra, é burra mesmo de  cima embaixo. Além de burra assina embaixo do nome: BURRA.  Quem foi que deu ordens para a senhora pagar impostos ai na sua cidade? Por acaso alguém ai tem a intenção de virar discípulo?  Tá de brincadeira que alguém aqui vai saber ou acreditar que a senhora paga impostos aí? Além de burra é idiota, por isso está com os encanamentos estrupiados e vão continuar estrupiados. Faz serviço com a nossa empresa, na calada da noite, damos outra ficha de nome pra senhora, livramos a senhora dos encargos que a sua cidade lhe impõe, aí  sobra mais do seu ordenado, se é que a senhora tem ordenado, afinal de contas para ter ordenado precisa ter emprego, e burra como a senhora é vai arrumar emprego aonde? Bem, voltando ao assunto, aqui os flaudilandenses não pagam impostos não. Nós temos verbas de sobra, o meu pai tem contatos importantes por conta da estima dele. O meu pai, o Flaudêncio Mor, é muito estimado nos meios de distribuições de verbas, entende ou a sua burrice não alcança o que eu falo? Como a senhora pode perceber, nem tudo o que se imagina é ruim por aqui. É tudo questão do ponto de vista.

_ Ponto de vista?  Não é ilegal os cidadãos aparem impostos, desde que...
_ Desde que o que se pague não tenha o nome de imposto, sacô!?
_ Hã hã! Que nome tem os pagamentos que eles fazem então?
_ Contribuição! Con-tri-bu-i-ção. Espontaneamente, sacô de novo?
_ Por livre e espontânea vontade? Mas como é feito esse registro? Eles contribuem mesmo?

_ Se contribuem? Numa folguinha que eu tive peguei o livro de caixa, não vi lá nenhum cidadão com débito com Flaudilândia. Espontaneamente em Flaudilândia significa espontaneamente mesmo!

_ Mas esse ‘espontâneo’ é desde que a cidade existe?

_ Bem, lá nas primeira página, já amareladas,  tinham alguns que andaram dando o calote  com a cidade.   Tinham anotações na frente dos nomes deles: Mandar para... mandar para... mandar para...

_ Esse lugar você não sabe onde é?

_ Sei não, mas deve constar na próxima folha. Como eu não me interessei para onde eles eram mandados, fechei o livro.

_ Flaudinho, vou confessar algo pra você. Acho-o extremamente inteligente para um recém-nascido. Você é de um potencial inacreditável.  É por isso que eu ligo constantemente para você, pelo encanto que você me proporciona.

_ É mesmo, é? A dona acha isso?

_ Acho! E pode ter certeza, você tem futuro nesta cidade. Será o próximo substituto do seu pai. Chegará rapidinho ao mesmo patamar dos seus irmãos, os mais velhos. Você não poderia pegar o livro  caixa e ver na próxima página, para onde esses que não pagavam    'espontaneamente' eram mandados?

_ Hum... peraí dona, É um livro meio pesado e eu ainda sinto muita dor no meu punho, sabe? Mas... para me livrar logo da senhora eu vou verificar. Vai perando ai, dona!

_ Tô perando, Flaudinho...

_ Tá aqui! Vejamos: mandar esse para... hum... hum... A dona está falando de onde? Do orelhão novamente? Quantas fichas a senhora tem aí para gastar? Agora é moderno, não é mais ficha, é cartão!

_ Sim, sempre falo com você de um orelhão.

_ A senhora não conhece aquela canção do Chiquinho, não?
 “Baby, bye, bye/ Abraços na mãe e no pai/Eu acho que vou desligar/As fichas já vão terminar(...)Eu penso em vocês night and day/Explica que tá tudo okay/Eu só ando dentro da lei/Eu quero voltar, podes crer”
He He He He He! Para não falar que eu não falei das flores, dona, acho melhor ir pegando no sono e parar de pegar no meu pé, e não quero ficar discutindo se é imposto ou contribuição, o negócio é que aqui os negócios são feitos com gosto e a contento de Flaudilândia, quer a senhora aceite ou não.

_ E os princípios éticos e morais não têm valor aí?

_ Não sei por que a senhora entrou nesse assunto. Exatamente o que eu disse há pouco. Além de burra é surda também! Ponto de vista.  Sabe o que é isso?

_ Flaudinho, eu sei qual é o meu ponto de vista, mas estou percebendo que o de vocês é sempre a forma mais fácil de conseguir ou evitar que outros consigam as coisas através dos meios legais, justo e certo.

_ Dona, pest’enção numa coisa. Eu pedi por acaso pra senhora ligar aqui e me falar decoreba?   Por acaso tudo o que é justo é bom? Ou tudo o que é certo é justo?

_ Flaudinho, leis existem para evitar, justamente, que ações exercidas através do seu ponto de vista seja coibido. Tudo ao seu justo limite.

_ E a senhora lá tem algum conhecimento ai dentro dessa sua cabeça burra para discutir leis e  justiça?

_ É a faculdade de julgar segundo seu direito de melhor consciência

_ Dona, aqui nós também temos dicionário, e como bem diz aí, “de melhor consciência” A senhora sabe qual é a melhor? E quer  saber mais uma coisa?
 Nunca mais a senhora vai desligar o telefone na minha cara, ouviu? Já várias vezes a senhora me deixa falando sozinho. A senhora queria saber qual prato servimos para as nossas visitas, quando eu ia falar, a dona desligou o telefone. Quer saber, eu tenho um presentinho aqui  pra senhora, é feito lá no Bairro dos Mestres. Aqui em Flaudilândia tem esse bairro, entre outros. Vou entregar isso para a senhora, um agradozinho porque a senhora é uma pessoa muito especial pra mim, estou começando a gostar da senhora. Faz o seguinte: Pega o telefone, tira ele da orelha e coloque na frente do seu rosto, olhando pra ele, como se fosse um livro que a senhora estivesse lendo. Com licença, a senhora sabe ler?

_ Sei sim, Flaudinho.

_ Então vai dona, olha aí pro telefone, fixe o seu olhar nele. Tenho certeza que a senhora vai adorar este presente. Ele irá matar essa fome que a senhora tem de  inteligência. Pronto?

_ Pronto, Flaudinho! Estou olhando para o telefone.

Plaftttttttt     Plunggggg    Ploftttttttt

_ Aaaaaaiiiii ! Socorro! Por que você  fez isso, Flaudinho?

_ Há há há há há há há há ! É pra me divertir com a cara da senhora, sua burra. Isso é panetone, feito lá no Bairro dos Mestres. Gostou das frutinhas do meio? São frutas passadas.
Há há há há há há! Dona foi o meu tio que mandou, se não gostou do sabor tem mais lá, de chocolate, de castanhas, de casquinha de siri, de óleo de baleia, de água benta que o Papa mandou pra ele. Tem panetone para converter todo tipo de burro, ficar inteligente.
Ah, vou mandar o calendário com a foto dele e do meu outro tio juntos, para a senhora não perder a data de nada. E aprender a fazer continhas, coisa que o meu tio ensina muito bem.  Quando quiser lembrar em que dia está no mês e ano é só olhar o calendário do Mestre que a senhora se localiza e vota na rotação certa.

_ Flaudinho, mas não estamos mais no Natal, já entramos no ano de 2012, esses panetones estão vencidos?

_ Ih, dona, desde quando agrado tem vencimento?  Mas... Vencidos já estavam desde quando eles foram vistos dentro da perua, lá no bairro. E  mortos de fome  vê lá essas coisas? A senhora viu para comer?

_ Eu não comi, foi você que me enfiou na cara. Que tipo de telefone é esse que consegue passar os produtos para o outro lado? Nunca antes na história das invenções eu tinha visto um telefone assim.

_ Dona, invenção do meu pai, o Flaudêncio Mor. Do modo artesanal,  perua de  casa em casa era só para desviar a atenção da imprensa.

_ Hum... Quer dizer que ai em Flaudilândia também tem o serviço de imprensa?

_ Uai dona, é claro que tem. Aqui é uma cidade completa. Imprensa escrita, falada, vista e ouvida. Tá duvidando? Mas tem um canal  que se acha, vive falando do nosso trabalho.  Um povinho encrenqueiro que só. Tem uma coluna lá, “ Peniscóptero” , dona eles erguem a mangueira e sai de baixo quem puder, molha a cabeça de todo mundo. Sei lá que modo moderno é esse de fazer matéria em jornal.  Mas o meu pai, O Flaudêncio Mor, está tomando providências

_ Não duvido, Flaudinho. E esse panetone que você me mandou pelo telefone, quanto custa? E mais, não tem  ninguém aí nessa cidade com cultura suficiente para vir na imprensa e  meter a boca nessas entregas de panetones vencidos?


_ Oh, oh! A preocupação da senhora é a data do vencimento do produto? E quem é a senhora para falar em cultura,  burra como a senhora é vai querer discutir com quantas cordas o povo dança a nossa música? Escuta,  dona, a senhora é burra mesmo né! É presente lá do Bairro dos Mestres. E quem ganha presente não mete a boca, ou melhor, mete os dentes. Eles comem que parecem que nunca comeram nada  na vida. Vão reclamar do quê?

_ E se você ainda não se alimentou, está com fome, por que não comeu um panetone desse ai para te sustentar?

_ Que é isso, dona? Quer me matar? Eles estão com data de vencimentos pra lá de esquecida.

_ Essa massa desse panetone é feita de  quê?

_ Bom, aí a sua pergunta já tem duplo sentido né? Mas como eu acho que a senhora só entende de uma massa, vou dizer que é de farinha. Farinha do mesmo saco.

_ Com fermento?

_ Eita muiezinha burra, que chega doer! Que fermento? É farinha com pó. Pó royalty.  Já está pago faz tempo. Só os fuinhas como a senhora que falam mal dos panetones. Come ele aí, mate a sua fome de inteligência que a senhora precisa um pouquinho. Mas depois que a senhora comer todo o panetone, lembre-se do  meu tio tá, sua tonta!

 Tum tum  tum  tum   tum   tum   tum   tum  

_ Flaudinho, você desligou? Flaudinho, Flaudinho....  Desligou na minha cara? Daqui a pouco eu ligo novamente, vai ver que... “ Com a benção de Nosso Senhor/ O sol nunca mais vai se pôr”.

Rita Lavoyer

continua...

4 comentários:

  1. Bem, no canal onde "jaz o Peniscóptero” com certeza o que não falta é a existência de charmosos edredons... e com "farinha do mesmo saco"... nada se cria, tudo se copia e se repete à exaustão de pobres deglutidores de alimentos vencidos ou não - o negócio é comer e ser comida - alimento do corpo... já que a alma, Flaudinho só a resgatará pós leitura do manual de sobrevivência!
    Leitura sensacional, Rita... provocante dos neurônios!
    Bj. Célia.

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  2. Hu-hul, (diria flaudinho?), o comentário em Diador saiu! Panefone? Sim! Panet? Não!! Bjks

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  3. “ Peniscóptero” , erguendo a mangueira e molhando a cabeça de todo mundo, nada mais "pinturesco" pra descrever a cena...

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  4. Gostei do título de seu blog e do inteligente conteúdo.

    Mas sabe, seria tudo muito engraçado se não fosse tão triste.
    Um forte abraço!

    Paulo Néry
    Filmes Antigos Club Artigos.
    http://articlesfilmesantigosclub.blogspot.com.br.

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