CIA DOS BLOGUEIROS


quinta-feira, 1 de março de 2012

ÁRVORE GENEALÓGICA

SEGUNDO CAPÍTULO DE FLAUDILÂNDIA - UMA CIDADE SERIAMENTE GOZADA


_ Pronto, essa sala, lotada de quadrados e retângulos cheios de folhas dentro,   até que não é um lugar ruim para se nascer.  Engraçado é um nascido ter que se limpar com folhas, e sozinho.  Também, tem folhas aqui  suficientes para limpar a humanidade toda.  Agora que eu já estou limpinho, vou arrancar mais  folhas e fazer uma roupinha pra mim, depois  ler esse tal de “Manual de Instrução para Sobrevivência do Flaudinho”.
Vou pegar esse daqui... Nossa! Que enorme. Com esse meu punho quebrado eu não consigo abri-lo. Mas tenho que dar um jeito. Eu vou aprender a me virar. Vejamos... Hum... Está escrito “ ÁRVORE GENEALÓGICA”. Interessante!

 Essa árvore deve dar gente boa em pencas, em cacho, com caroços, sem caroços, casca fina e grossa,  boa e  podre, doce e azeda.    Pelo jeito há outros modos de nascer.
 Se eu estivesse pendurado em algum galho dessa árvore como eu teria nascido? Com  a gravidade acho que me espatifaria no chão, já que eu nasci grande. Pior se chegar um bando de mortos de fome, achar que essas pessoas penduradas aqui na árvore  são coisas de comer, trepar na árvore e... ai ai ai ai ai não quero nem imaginar.

Para nascer em uma árvore genealógica devem ser todos “gêneos”. Ou será que é o contrário? Eles nascem “gêneos” e depois vão trepando na árvore e se acomodando nos galhos de acordo com o grau de inteligência?

 Folheando... Nossa! Quanta gente feia! Olha essa mulher aqui, o vestido dela parece uma barraca. Com esse nome de Leopoldina deve ter sido só gozação. Tem esse  homem com mais medalhas penduradas do que corpo. Esse  bigodudo é um Marechal aleijado, veja só, uma perna grossa e outra seca.  Usam roupas demais para o meu gosto.  Acho que nessa parte do livro deve ser inverno. Talvez se arrancassem essas folhas todas e montassem  a árvore em pé chegariam às nuvens de tão alta que ela ficaria. Melhor eu começar a ver o livro pela parte da frente. Vejamos.... Ai! Como dói esse punho quebrado.

 Olha só! Uma  mulher e um homem pelados. Minha dedução estava certa. Quanto mais alto o cacho estiver na árvore, mais perto do céu e mais quente o clima também. E essa cobra? Deve ser um bichinho de estimação da peladona aí. Que luxo! Alimentar um bicho feio desse com maçã é pra acabar com a vontade de comer qualquer outra coisa.   


Trimmmmmm 

_ Ai, meu Santo Parafuso da Porca Virgem, me ajude a tarraxar certinho esse atendimento. Eita, telefone que não para de tocar. Nem acabei de nascer e já tenho que dar duro. Será que na família funciona o ENG -  Estatuto do Nascido Grande?

Trimmmmmmm

_ Cadê o manual de atendimento? Tenho que reler rápido antes que ele toque novamente.
Aqui:

“Seja durão, fale alto, com voz forte e nunca seja gentil. Cuidado, porque todos os que ligam aqui  são hostis. Enquanto falar faça cara de mau, para que a sua fisionomia adquira uma feição que imponha medo e respeito, para quando tiver que pôr a sua cara no mundo. ”


Trimmmmmm                    

_ Alô!
_ De onde fala, por gentileza?
_ Uai! Ligou pra cá e não sabe de onde fala?
_ Perdoe-me, é que eu encontrei um cartão com esse número jogado na rua  mas no cartão não cita o nome da empresa. Diz aqui “ Serviços de todos os tipos”. Como eu estou com alguns problemas de  encanamento por aqui, pensei que, talvez, eu pudesse encontrar ajuda ai.
_ Pois é, dona, apesar de a senhora ter uma certa delicadeza rara, vou dizer pra senhora uma coisa. Aqui nós fazemos qualquer tipo de serviço. Somos uma empresa familiar, ninguém aqui dorme no serviço. Sabe aquela mulher lá da novela das 9, o Pereirão? Então, o autor da novela quando foi escrever o roteiro daquela história, veio pessoalmente ter com o meu pai, receber uns pitecos dele, entende?

_ Não! Que pitecos? Por favor, poderia falar um pouco mais baixo. A ligação está ótima e eu o estou ouvindo muito bem.

_ Ah, dona! Tá de gozação, pô!? A dona sabe pra onde ligou? E eu não estou falando alto. O tom da mina voz é esse mesmo. Tá com medo?

_ Não sei exatamente para onde eu liguei, você está gritando sim e eu não estou com medo. Quando eu perguntei de onde era, você não foi nada gentil em responder. De onde você está falando então?

_ Dona, registre aí na sua cabeça. Aqui é da empresa do Fudêncio. Na cidade de Flaudilândia.  Nunca ouviu falar não? Hereditariedade, entende disso? He-re-di-ta-ri-e-da-de. Se sim, já vamos encurtando logo a nossa conversa.

_ Nossa! Com esse nome o seu pai deve ter sido o fundador do mundo.

_  E não foi? É o fundador desta cidade também. Tudo que foi feito por aqui foi por causa do meu pai. Foi o meu pai que foi atrás, foi o meu pai que autorizou. Tudo  foi o meu pai. Tem um busto, e mais alguma coisa dele, exposto lá na praça central. Os meus irmãos dão duro o dia todo, à noite também.  Aqui ninguém nega fogo. É só eleger um do seu agrado que ‘tamo dentro’

_ A roda foi o seu pai que inventou também?
_ Não! Foi o meu jurassicoavô.

_ Se foi o seu pai o fundador da cidade, porque ela não leva o nome dele?
_ Escuta uma coisa dona. Ou Fudilandia ou Flaudilândia, para não incomodar a população, o meu pai, que é um cara super esperto, mandou para o povo decidir. Ple-bis-ci-to, a dona sabe o que é isso? Se sim, já vamos encurtando logo a nossa conversa.

 Então, o meu pai disse que o povo merece ser feliz pelo menos uma vez na vida. Dê ao povo o poder de decisão. Faça-o se sentir útil, sentir que sabe tomar decisões pela cidade  onde mora. Jogue a bola para o povo. É assim que se administra o rebanho, dona. Entendeu ou a burrice não permite ainda?

_ Entendi, mas não compreendi por que não decidiram pelo nome do seu pai e sim  por Flaudilândia.

_ Olha dona, o meu pai não fez muita questão disso, não! Afinal, como diz o meu sábio pai Fudêncio, agora Flaudêncio,  nome de cidade não influencia nos negócios que somente ele sabe fazer tão bem. Ia mudar muita coisa se o povo não participasse dessa importante decisão, entendeu agora?  Além do mais, deixar o povo com a cabeça preocupada,  discutindo sobre uma questão tão polêmica quanto esta- decidir do nome da cidade- através de um plebiscito, faz o meu pai ganhar terreno.

_ O que significa isso: Ganhar terreno?

_ Olha dona, vou dizer uma coisa: Tem um manual de instrução aqui, mas eu não vou ler agora pra senhora, porque pelo visto a senhora tem dificuldades para entender certas coisas.  Ganhar terrenos significa, em curtas e grossas palavras, despistar os olhares, a atenção do povo para se fazer outras que o povo não pode ficar sabendo. Mas como o serviço que o meu pai tinha para fazer sem o conhecimento do povo era rápido, então ele mandou  mesmo para o plebiscito a alteração do nome da cidade. Encerrou o assunto do nome no prazo que eo meu pai encerrou outro serviço daqueles... Sairam todos vitoriosos. Por isso esse é o nome da cidade: FLAUDILÂNDIA. Para agradar o povo o meu pai rabisca Flaudêncio. O que importa ganhar apelido. O meu pai não é traumatizado.

 _E a sua mãe, também trabalha nisso? Ela é a ...

_ Não, dona! Mamãe é a Dasdor. Flaudência é a minha irmã mais velha. A minha mãe, aquela que me ajudou a nascer, é bom lembrar disso, vive na lida.

_ Estou abismada! Quantos anos vocês devem ter?!

_ Ah, dona, esse negócio de anos nunca nos preocupou, sabe. Nós não envelhecemos, amor ao ofício rejuvenesce. Quer saber mais? Tem uma árvore aqui em Flaudilândia com gente vivinha, pendurada nela desde  que o mundo foi inventado.  Gente que faz e acontece não morre porque não tem anos. A senhora gosta do seu ofício?

_ Entendo... É... qual é o seu nome, rapaz?

_ Se já está começando a entender nós  vamos prosear melhor.  Rapaz? Sou rapaz ainda não, dona! Acabei de nascer, mas já nasci grande. Aqui onde eu estou tem uns negócios quadrados, retangulares com folhas dentro que eu arranquei para limpar a minha placenta.

_ Espere um minuto. Quer dizer que você acabou de nascer, limpou a sua placenta com as folhas dos livros

_ Epa! Peraí dona. Folha do quê?

_ Livro! Você arrancou folhas de livros pra se limpar?
_ Como a senhora sabe que isso chama livro?
_ Quantos desses tem por ai?
_ Milhares.
_ Então você está dentro de uma Biblioteca.
_ E o que que é isso, Biblioteca?
_ É um lugar onde vários livros são guardados, geralmente em estantes.

_ Hum... É isso mesmo, dona. A senhora acertou. Só queria saber se a senhora sabia disso. Mas voltando ao assunto. Eu nasci aqui dentro dessa Biblioteca. Nasci hoje mesmo,  e os recém-nascidos grandes como eu ficam no atendimento, porque ser ‘di menor’  atrapalha os negócios do meu pai, e o meu pai entende de lei.  Por isso que nós passamos pelo atendimento do telefone, até aprender.

_ Não entendi! Nunca antes na história da humanidade isso foi possível. Alguém nascer grande e já falando, portando certo grau de capacidade intelectual para discutir com alguém...

_ Dona, a senhora tem jeito de burra mesmo! Já ouviu falar em ‘MILAGRES’? Se sim, já vamos encurtando logo a nossa conversa.   Bota aí na sua cabeça os números da nossa empresa:

 _ Onze!  entendeu?

_  Entendi, mas não precisa gritar.  É o DDD?

_ Não, dona! Eita mulher burra! Taí, o meu pai adora fazer o serviço nesse tipo de gente. Prest’enção dona. Vou explicar pra nunca mais errar o nosso número. O DDD é o da cidade da senhora mesmo, não muda. O número do nosso telefone é por grau de evolução.

_ Onze é o primeiro  número, a cartilha para aprender e nunca mais errar, entendeu? Vinte e quatro é um segundo degrau. É um teste de resistência. Sessenta e nove eu ainda não cheguei nessa página  para falar pra senhora. Oitenta e oito. Vixi! Por curiosidade eu folheei o manual lá pra frente. Só o papai e alguns irmãos, os mais velhacos,  que conhecem.  Agora a senhora anote ai para nunca mais se esquecer do nosso número de telefone. Entendeu? X 1124.6988

A senhora quer deixar algum recado, encomendar algum serviço com o profissional eleito para o assunto da senhora? É só a senhora deixar o seu nome que eu anoto e digo para o papai assim que ele chegar. Sim, vou pegar o papel e a caneta.  Tá anotado já! Marquei o nome da senhora, sim, dona! Até mais, passar bem a senhora também. A senhora vai voltar? Gostei tanto de conversar com a senhora, apesar de burra, eu gostei da senhora. Promete que volta a ligar?

_ Prometo sim. Mas da próxima vez promete que falará mais baixo?  Qual é o seu nome, menino?

_  Qual é o nome do filho que recebe o nome do pai, para não terminar o nome como ‘filho’ . Entendeu? O meu nome é Flaudinho, o mais novo da família nesta cidade.

_ E não é que é?
_ E não é que foi!

_ Até mais, Flaudinho. Ligo  para falar sobre o problema do meu encanamento. Agora vou desligar senão esgota o crédito do meu cartão, e já tem gente atrás de mim querendo usar o orelhão.

_ Hum.... Vou ficar esperando.
 
Tum  tum  tum  tum  tum  Tum

_ Gente pobre! Usa orelhão pra se comunicar. Li em alguma página do manual que não pode falar mal de pobre na frente de outro pobre, porque eles têm título de eleitor. O que será que significa isso? Bom saber que esses negócios chamam livro e que eu estou dentro de uma Biblioteca.   Gostei do livro da árvore. Vou ver de novo, ele é mais interessante que o meu manual. Caramba! Estou com uma fome! Vou voltar lá naquela cobra que tem uma maçã. Ainda bem que a dona desligou logo. Não estava aguentando mais ficar gritando pra pôr medo. Minha garganta está raspando, estou com sede. Vou lá na maçã encher a minha boca d’água.   


Rita Lavoyer


4 comentários:

  1. Nossa, que loucura... e parece que a tal árvore genealógica começa do começo mesmo, lá com Adão e Eva. Se ao nascer o nosso protagonista já apronta o que apronta, imagino o que vem pela frente! Bacana, Rita. Um beijo pra você.

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  2. Naveguei por "Gênesis"... li muita "História do Brasil", do surgimento do mesmo à atualidade, visualizei muito da "Sociologia" e "Ciências afins" em nomes, sobrenomes, hereditariedades... quase chegando a um Registro Civil para reconhecer firmas... evitando assim plágios na concepção de pessoas e ideias mirabolantes que "epidemializou",minha querida amiga escritora, Rita! Um conselho: - desligue o telefone...
    Aceita uma maçã? Beijo da Célia, envenenada pela "cobrinha de estimação"...

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  3. Eita, Rita!
    Dá um pedacinho desta maçã?
    Ainda não entendi bem esta de Fudêncio e Flaudêncio, mas depois você explica.

    Beijão.

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  4. um grande quebra cabeças... Parabéns!!!!

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