CIA DOS BLOGUEIROS


segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

FLAUDINHO

FLAUDINHO

 Primeiro capítulo da novela   'FLAUDILÂNDIA -  Uma cidade seriamente gozada



_ Ai! Ai! Ai! Ai! Essa dor parece que vai me matar, mas nunca me mata!  Ai! Ai! Ai! Está quase saindo. Nunca pari uma criatura com cabeça tão grande feito esta. De todos os partos que eu já fiz sozinha, este está querendo ser o último. Como pode? Experiente como eu sou não conseguir parir esta criatura?! Força! Eu vou conseguir!  Ai! Ai! Ai! Está saindo, mas... Que que é isso? Não é o pé que põe pra fora primeiro, é a cabeça! Volta pra trás e se posicione para sair como todos os outros sairam!
Vamos! Está quase conseguindo. Isso, encaixe a cabeça  que eu vou forçá-lo a sair agora.  Vai! Vai! Aaaaiiii! Saiu! Que cabeça enorme! Agora passe o ombro, vamos! Força!

_ Mas dá para abrir mais essa perna, por favor? Se a minha cabeça é grande o ombro tende a ser maior ainda. Vou colaborar, mas colabora também, senão nem eu saio e nem a senhora se livra de mim.

_ Está difícil! Esse é o parto mais complicado que eu já realizei em toda essa minha vida de parideira. Nenhum outro me deu tanto trabalho.

_ Não existe parteira por aqui, que possa me ajudar a nascer? Eu também já não estou querendo ficar entalado no meio do caminho. Veja que situação mais constrangedora a minha, cabeça pra fora e corpo pra dentro. Com licença, a senhora já ouviu falar em cesariana?

_ Eu nunca precisei da ajuda de ninguém para fazer os meus partos. Além do mais, ninguém haverá de me ver  suando de dor de parto e nem de dor nenhuma. É bom que já saiba,  antes mesmo de nascer, que aqui ninguém sente dor diante dos olhos de alguém. Força, cabeçudo, põe  a  mão pra dentro, é o ombro primeiro. Enfiei a mão...

_ Ai! Ai! Ai!  Acho que quebrou o meu punho!

_ Cabeçudo! Aprenda a fazer a coisa certa! Primeiro mete-se a cabeça, dá de ombro pra depois meter a mão! Trate de sufocar essa sua dor de punho quebrado, porque você é um filho legítimo de Fudêncio Mor, de quem  deverá honrar o nome! E saia agora de mim com a força da minha raiva! Não me faça vê-lo como uma lástima. Se quebrar antes de nascer é uma vergonha, mas irá se consertar, e o seu punho há de estar fortalecido o quanto antes, para que ninguém perceba esse seu defeito.

_ Mas quem disse que é defeito? A senhora quem está dizendo isso. Está doendo. Acabei de nascer. Vou ficar aqui no chão? Não vai me pegar, não?

_ Preste atenção na primeira lição da sua vida: Há certas formalidades que são abomináveis por aqui. Aqui, a luta primeira é pela sobrevivência. Já a está experimentando com o próprio parto, que tem que ser tão sofrido quanto a própria concepção. É da concepção violenta, da geração violenta, do parto violento e da sobrevivência  violenta que produzimos guerreiros.  Vá aprender a se virar. Sobre aquela escrivaninha ali, perto daquele telefone tem um manual. Pegue-o e vá aprender a ser você, lembrando-se, sempre,  quem é o seu pai.  Aqui, I-Juca Pirama não tem espaço, mas enfrentamos cruzes e desafiamos cruzadas  em nome do  pai!

_Hei! Mas é assim que se nasce? Ouvia dizer, não sei onde, que nascer era uma coisa legal. Sei lá, parece que está gravado isso dentro de mim.  E essa meleca no meu corpo  é o que?

_ Está no manual. Se vira que eu tenho que tratar da lida. Aqui ninguém dorme no ponto. Não parar o nosso trabalho! Esse  é o nosso lema!

_ Fique um pouquinho comigo. A senhora não está cansada? Posso ajudá-la em alguma coisa?
_ Preste atenção em mais um item para a sua história: Aqui, não existe narrador! Faça e pronto!

_ Então vá, mamãe! Fique tranquila que eu prometo que cuidarei de mim. Nossa! Ela já está tão longe que nem me ouviu chamá-la de mamãe.
Estou tão encabulado, pensei que  quando nascesse alguém iria bater na minha bundinha. Agora veja, tenho um punho quebrado pela mulher que me pariu, que dói e não posso nem chorar por isso! Ai, estou tão melecado. Já estou começando a sentir nojo de mim. Cruzes!
Manual... Manual...  Ah, aqui está!   Nossa? 

“MANUAL DE INSTRUÇÃO PARA SOBREVIVÊNCIA DO FLAUDINHO”

Acho que esse deve ser o meu nome “Flaudinho!”  O significado deve constar aqui dentro. Só pode!

Primeira página:

 " Flaudinho, você deverá se limpar, se vira, porque essa meleca que envolve o seu corpo, já cabeludo, chama-se placenta."

_ Ai, que horror! Como é que sabiam que eu já nasceria tão peludo, para escreverem nas páginas?

Segunda página:

"Abaixe a sua cabeça, encoste o seu queixo no peito e olhe bem para a sua barriga. "

- Hum...tomara que eu acerte essa.

 "Essa corda pendurada bem no meio da sua barriga sai de um orifício chamado umbigo. Chama-se cordão umbilical. É o que te ligava à placenta e o que te nutria enquanto  estava sendo gerado no ventre da sua mãe. Procure um meio de cortá-la, mas não muito, porque depois precisará dar um nó. Dentro de poucos dias isso secará e cairá. Se quiser poderá guardar de lembrança ou então, plantar na porteira de alguma fazenda, se desejar ser fazendeiro no futuro."

_ Misericórdia!  Se o que está no meio da barriga, que me ligava à vida,  precisa ser cortado, para o que vem mais embaixo deverá ser feito  o quê?  Já estou com medo de folhear a próxima página. Mas vou acabar de ler as instruções dessa página primeiro.

"Flaudinho, cuide do seu umbigo para que não vire um laranja baiana. Nessa investida será você por você mesmo. Cortar sozinho o próprio cordão umbilical é o primeiro desafio  para a conquista da sua independência, sentindo o gosto da vida.  As demais páginas, você as lerá com calma. Terá até amanhã para aprender a viver e resolver a sua história em 20 capítulos. E sem narrador. "

_ Então tá. O meu nome é Flaudinho. Nasci de um parto difícil que me quebrou o punho, mas não posso chorar porque ninguém pode ver e nem ouvir. Não tinha visitas para me recepcionar.  Chamei uma mulher de mãe, mas ela me virou as costas e nem me ofereceu o seu peito.  Esse tal de I- Juca Pirama não sei quem é, mas não deve servir como exemplo, talvez porque não sobreviveu à violência, não virou guerreiro. Tenho que limpar esse negócio que se chama placenta, cortar o meu umbigo, dar um nó, cuidar dele até secar, depois guardá-lo de lembrança ou plantá-lo na porteira de uma fazenda que eu também nem sei o que é, mas vou fazer questão de não aprender. E tenho que ler um manual de instrução para  que eu me possa formar eu mesmo e contar uma vida em capítulos. Não tem narrador na minha vida ...
Sei lá! Formalidades não podem aqui! Também como eu aprendi essa coisa de formalidade se acabei de nascer?  Avatar é o que será? Estou com essa palavra na cabeça sem nem mesmo tê-la ouvido. Dezenas de dimensões complicando a minha chegada e nem sei dar um nó no próprio umbigo.
Hum... Vou me limpar com o quê? Ouvi falar alguma coisa de telefone. Deve ser esse negócio aqui! Pronto! Já estou começando a me virar! Preciso aprender logo antes de conhecer o meu pai.  Estou com fome! Deve ser a primeira fome da sobrevivência. Será que se eu chorar buá! buá! vai pegar mal?  O que eu faço agora? “Ser ou não ser?”  Não, vou pular essa página, muito cedo pra mim. Vejamos... Tenho aqui  “como cuidar do encanamento”  “nunca olhe nos olhos... blá blá blá blá blá blá blá blá blá blá
Eu vou aprender!

2 comentários:

  1. A tragédia da dor do parto... seccionar o cordão umbelical (viva a independência...) e fazer-se o quê... com o que vem logo abaixo... sem choro algum porque a própria mãe já se foi... é mais ou menos cenas de nascimento século XXI mesmo... Família pluricelular!!
    Espero próximos capítulos! Parabéns, Rita, a destemida! Beijo da Célia.

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  2. è o diabo esta vida pluricelular. Quando era unicelular nao havia morte....mas welcomwe flaudinho, vejamos o que vc vai aprontar mas cuidado com esta diretora de palco que ela vai te meter em belas enrascadas.

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